sábado, 6 de julho de 2013

O pedágio e a cabeça do bacalhau

Ouvindo as preces do governador, o povo resolveu ajudar: os protestos, agora, são para o governo capixaba.


Quando as bombas caíram todas no colo de Dilma, Casagrande afirmou: “Se Deus me der saúde, meu objetivo é buscar atender ao máximo aos pedidos escritos em cartazes expostos nas manifestações”. Ouvindo as preces do governador, o povo resolveu ajudar: os protestos, agora, são para o governo capixaba.

Porém, além da falta de diálogo, a administração anda míope diante dos cartazes que pedem o fim do pedágio da Terceira Ponte. E não faltam razões para o protesto. Os 3,3 km entre Vitória e Vila Velha são os mais caros do país. A tarifa é de R$ 1,90, ou seja, R$ 0,57/km, quase o dobro dos R$ 0,33/km do sistema Anchieta-Imigrantes, de São Paulo. Detalhe: a rodovia paulista conta com 10 faixas ao longo de seus 176 km, algo bem distante das nossas modestas quatro pistas de cartão postal. Em 2008, o trânsito caótico fez o governo cobrar obras de melhorias à Rodosol. A concessionária, então, disse que o contrato não lhe obrigava empreender melhorias de tráfego e que o pedágio poderia ser aumentado como bem entendesse.

O misterioso contrato-cabeça-de-bacalhau é a polêmica. De um lado, o deputado Euclério Sampaio (PDT) argumenta que vias municipais de Vila Velha foram estadualizadas para serem cedidas à Rodosol sem a aprovação do Legislativo. Do outro, a empresa diz que investiu R$ 380 milhões na Rodovia do Sol e que o pedágio é seu direito.

Contudo, se parece mudo e míope, o governo tem uma habilidade em torpedinhos como ninguém. Durante a sessão que votaria o fim do pedágio, alguns parlamentares não paravam de receber mensagens no celular, vindas do Palácio Anchieta. Na noite anterior, houve até reunião de emergência. Disseram que era “apenas uma reflexão”.

Os pensamentos sobre a vida não pararam por aí. Agora, o Executivo pressiona os deputados Dary Pagung (PRP) e Sérgio Borges (PMDB) para que peçam as famosas “vistas” do projeto e adiem o assunto. E como semana que vem começam as férias, o tema só voltaria em agosto! A Assembleia vai virar hotel.

Mas a Rodosol anda longe de perder as noites de sono. Os 77 mil veículos/dia na ponte geram uma renda de R$ 50 milhões por ano. A quebra do contrato acarretaria em multa de R$ 549 milhões, ou seja, 11 anos de pedágio! Acontece que a concessão termina daqui a 10 aninhos. Portanto, a Rodosol levaria meio bilhão de reais sem gasto algum com manutenção, iluminação, nem a tradicional reconstrução das cabines após os protestos.

Porém, os R$ 7,20 cobrados na rodovia têm passado despercebidos. Em cálculos simples, nos últimos dez anos a Rodosol já arrecadou, por baixo, R$ 200 milhões na ligação Vila Velha-Guarapari. Somando, novamente por baixo, míseros cinco anos na ponte, tem-se mais R$ 250 milhões, chegando-se facilmente a R$ 450 milhões. Se o investimento foi de R$ 380 milhões, a Rodosol já levou alguns centavos a mais. Aceitamos o troco!

Estranho é que pouco se fala em números. Ninguém diz ao certo quanto custou a ponte e quando foi paga. Também ignora-se que o tráfego cresceu mais de 450% e superou todas as previsões do início das negociações. O único valor lançado no ringue é o da tal multa que, se depender do governo, nos obrigará a pedir esmola nos antigos pedágios.

De nada adianta o governador ameaçar prefeitos com corte de investimentos. É inútil dizer que “não assinou contrato algum”, pois, na época, Casagrande era vice-governador. Não adianta, também, bater na mesa dizendo que o Legislativo terá que mostrar de onde virá o dinheiro. Que tal cortar as centenas de cargos comissionados espalhados pelo Estado? E os carros de luxo? E a lista quilométrica de privilégios e auxílios? Já daria para começar a vaquinha, hein!

O fato é que a população cansou de pagar por acordos que nem mesmo o governo consegue explicar. Este deveria debruçar-se sobre os fatos, sem medo de ferir velho$ amigo$, e provar, com números e leis aquilo que conduz.

O povo cansou do governo “crescer” “sem a gente”. E cabe a Casagrande administrar a bomba. Se me permite uma dica, ler os cartazes pode ser o primeiro passo.

Gabriel Tebaldi, 20 anos, é estudante de História da Ufes
Fonte: A GAZETA