Para deputada, o sistema pode abrir brechas aos crimes financeiros
Concessão dos vistos de residência gold em Portugal representa a
“prostituição” da cidadania europeia, disse a vice-presidente da
recém-criada Comissão sobre Crimes Financeiros do Parlamento Europeu
(PE), eurodeputada Ana Gomes (Partido Socialista-PS), ao Globo.
Ela se referia aos vistos de residência que já beneficiaram 451
brasileiros desde o início do programa, criado em 2012, para amenizar os
efeitos da crise econômica de Portugal. Para a deputada, o sistema pode
abrir brechas aos crimes financeiros.
Um relatório será elaborado
pela sua equipe, que foi criada em março deste ano, e poderá pedir o
fim dos vistos tipo gold em toda a Europa. Para ter acesso ao sistema na
modalidade mais procurada é preciso adquirir imóvel de no mínimo € 500
mil (mais de R$ 2 milhões). Após seis anos, os beneficiados podem obter a
cidadania portuguesa.
Vale destacar que entre os possíveis
agraciados dos vistos dourados de Portugal estão três réus da operação
Lava Jato, conforme reportagens de setembro de 2017 do jornal britânico
“The Guardian”.
Otávio Azevedo, ex-presidente da construtora
Andrade Gutierrez, teria adquirido imóvel no valor de € 1,5 milhão.
Sérgio Lins Andrade, acionista da mesma empresa, teria comprado imóvel
por € 665 mil. Pedro Novis, ex-presidente da Odebrecht, também teria
supostamente comprado um imóvel. As transações teriam ocorrido em 2014,
ano do início da Lava Jato.
"Isto
tem é que pura e simplesmente acabar. Isto é que está em caso. É uma
prostituição do sistema Schengen e da cidadania dos vários
Estados-membros da UE que o praticam", frisou Ana Gomes.
A
eurodeputada usou os casos dos vistos que teriam supostamente sido
concedidos aos réus da Operação da Polícia Federal brasileira para
destacar possíveis falhas nos procedimentos de verificação e controle da
transparência.
"Os casos brasileiros encontrados e já expostos
são a demonstração de que as obrigações de due diligence (processo de
investigação de possíveis investidores) por parte das imobiliárias,
bancos e advogados não foram feitas. Sem falar nas próprias autoridades
da administração portuguesa. Portanto, aí tem a demonstração que
realmente a due diligence não é feita em violação às diretivas europeias
contra a lavagem de dinheiro", continuou a deputada.
A
eurodeputada diz que investigará todos os visto concedidos: "Se me derem
dados concretos, eu gostaria muito de ter acesso a esta lista de 451
cidadãos brasileiros. Saber quem eles são. Muitos, eu poderei saber,
outros, só com ajuda dos parceiros brasileiros. Isso seria muito útil e
estou à disposição para colaborar com autoridades policiais,
judiciárias, parlamentares ou da sociedade civil".
A
vice-presidente da Comissão, no entanto, diz ter encontrado obstáculos
para obter lista dos beneficiários no Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras (SEF) e no Ministério da Administração Interna (MAI),
dificultando a investigação. Em sua defesa, a Comissão Nacional da
Proteção de Dados (CNPD), órgão do Parlamento Português, mas que
funciona de maneira independente, alega que divulgar a lista seria
violação de privacidade.
Mas não são só os brasileiros. Ana Gomes
adiciona o componente chinês ao caso. A organização não governamental
Transparência e Integridade, uma ramificação portuguesa da Transparência
Internacional, desenvolveu um relatório pedindo a suspensão imediata
dos vistos gold para evitar a abertura do Espaço Schengen ao crime
organizado e à lavagem de dinheiro.
"Se a China tem um limite
máximo de envio de dinheiro para o exterior de € 50 mil euros por ano, é
evidente que o esquema só pode ser fraudulento ou criminoso", explicou a
deputada.
O nome oficial do visto dourado é Autorização de
Residência por investimento (ARI). Além da compra do imóvel de € 500
mil, que desce para € 350 mil se o bem estiver em área de recuperação, é
possível obtê-lo através de outras formas: uma transferência de € 1
milhão para Portugal ou da criação de mais de dez postos de trabalho por
investimento. É necessário, ainda, permanecer em Portugal por 14 dias
seguidos por mês ou sete de maneira alternada. Essas modalidades de
solicitação são raras, somando apenas 10% dos pedidos.
Contactado
pela reportagem, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal
(SEF) informou que, para a concessão dos vistos gold, “segue com rigor
todos os procedimentos de segurança legalmente previstos, designadamente
consultas a todas as bases de dados disponíveis e relevantes (...). É
feita uma avaliação relativamente aos critérios legalmente exigidos e a
sua conformidade total com a lei vigente”.
A assessoria de
imprensa de Pedro Novis, responsável pelos negócios da Odebrecht em
Portugal de 1990 a 1997, afirmou que ele comprou o imóvel em Lisboa em
agosto de 2009 por meio de um contrato particular com a Imoivens. Com a
conclusão da obra, em junho de 2013, diz ter firmado escritura de compra
em 3s de julho de 2013. "A aprovação do primeiro pedido do visto de
residência se deu em 06 de dezembro de 2013, seguida das renovações em
16 de fevereiro de 2015 e 4 de janeiro de 2017. Portanto, a compra do
apartamento em Portugal e a obtenção do visto são anteriores à LJ (Lava
Jato)”.
Por meio de sua assessoria, Otávio Azevedo, ex-presidente da
construtora Andrade Gutierrez, disse que não iria comentar o caso. Já
Sérgio Lins Andrade, acionista da mesma empresa, não foi localizado até o
fechamento da publicação.