segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A guerra contra o narcotráfico: quem ganha e quem perde?

Uma reflexão acerca do narcotráfico e do atraso na adoção de medidas realmente eficazes dentro da atual política antidrogas.


Publicado por Murilo Wya Almeida - 06-11-2014 - JusBrasil
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Essa semana li um texto publicado pelo Doutor Temístocles Telmo Ferreira Araújo, aqui no JusBrasil, intitulado de “O Dia das Bruxas de 2014 encerra uma triste semana”. Tal publicação continha no seu final uma mensagem de um Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Na verdade, tratava-se mais de um desabafo do que de uma simples mensagem. O descontentamento com a falta de valorização do profissional militar era visível, além da preocupação com o futuro da corporação e da ameaça de fracasso na captação de novos agentes. É entendimento pacífico que hoje, mais do que em quaisquer outros tempos, ser policial é exercer uma profissão com escassos benefícios que não compensam a exposição dos agentes aos riscos envolvidos nas atividades.
É fato inconteste também que grande parte desses riscos se relaciona à guerra contra o narcotráfico. Desde a convocação feita pelos EUA ao combate às drogas, há cerca de quatro décadas, durante o governo do ex – presidente Richard Nixon, a sociedade muito mudou, diferentemente das leis e ações adotadas pelos Estados. As velhas táticas de confronto com traficantes, da busca e apreensão de entorpecentes (e matéria prima), além de investimentos altíssimos em armamentos e equipamentos de guerra, continuam a vigorar, gerando lucros absurdos para a indústria armamentista e gastos excessivos aos cofres públicos. Quem realmente sai ganhando com isso? E quem, de fato (e de direito), perde?
Muitos especialistas no assunto já chegaram à conclusão de que o mundo perdeu a guerra contra as drogas. Atualmente, por mais que se criem leis rigorosas e mais medidas de coerção, o consumo das drogas tornou-se uma pandemia. Independente de classe social, etnia ou credo, o número de usuários tende a crescer cada vez mais, demonstrando que chegará o dia em que o consumo de drogas passe a ser considerado um “hábito” aceitável para a sociedade. Exemplo disso é o próprio álcool, que não deixa de ser uma droga e que, por vários estudos realizados, é considerado muito mais nocivo do que diversas outras drogas (como a maconha). A Ambev (Companhia de Bebidas das Américas) já é considerada a maior empresa da América Latina, à frente da própria Petrobras, segundo dados da Consultoria Economatica.
Enquanto as autoridades brasileiras repensam as ações dessa política antidrogas a passo de tartaruga, centenas de jovens das periferias e militares são mortos anualmente, em todo país. A guerra contra o narcotráfico não envolve apenas os protagonistas, mas também os coadjuvantes num verdadeiro espetáculo de horror. São famílias e inocentes que pagam, muitas vezes com suas próprias vidas, pela insegurança gerada a partir do confronto, como mortes por “balas perdidas”, limitação da liberdade de locomoção (toque de recolher) e abordagens infundadas por policiais despreparados.
Ingenuidade é pensar que o usuário de maconha, por exemplo, irá deixar de consumir sua droga por causa dessa guerra. É bem verdade que muitos usuários têm optado por plantar a Cannabis, a fim de não financiar o tráfico de drogas e, assim, eximir-se da culpa. Mas a própria Lei 11.343/06 criminaliza esta atitude de modo que, plantando ou comprando maconha nas mãos de traficantes, o usuário estará agindo na ilegalidade. É preciso repensar essas tipificações penais e, mais do que tudo, a conscientização acerca dos perigos do uso das drogas, quaisquer que sejam. A política de proibição e repressão, usada durante décadas, mostrou-se falida e ineficaz. O que existe ainda é apenas uma atitude de “empurrar o problema com a barriga”, coisa em que o brasileiro vem se especializando há mais de 500 anos. Enquanto as autoridades resistem em repensar as políticas, a sociedade civil clama por paz, os policiais clamam por valorização profissional e os usuários clamam pela regulamentação das drogas.
É necessário que o Estado compreenda a urgência no tratamento deste tema e desenvolva ações mais racionais para combatê-lo (ou minimizá-lo). Não mais tratar as drogas como um assunto fora da nossa realidade, no sentido de apenas proibi-las, mas passar a enxergá-las como algo incrustado em grande parte da população, passivo de uma intervenção estatal estrategicamente voltada para os benefícios econômicos e sociais que poderão ser advindos. Descriminalizar e regulamentar o uso da maconha é um passo importante, podendo o Estado tributar os locais de venda e de produção da droga. Conscientizar a população acerca do perigo no uso excessivo das drogas, mesmo as já lícitas, como o álcool, é outro caminho que deve ser trilhado. As drogas sempre fizeram parte das diversas sociedades humanas, seja na cultura oriental ou ocidental, seja nos primórdios das civilizações ou na contemporaneidade, seja na sua apresentação em substâncias naturais ou sintetizadas. É preciso, por fim, estudar essa relação antropológica das drogas e, a partir daí, criar mecanismos de controle pautados mais na conscientização e na instrução pessoal do que na proibição e na repressão legal.

Murilo Wya Almeida
Estudante de Direito
Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Fernando Pessoa

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