Publicado por Flávia T. Ortega
38
Imagine a seguinte situação hipotética:
João foi surpreendido quando chegou em sua casa a fatura do cartão de crédito. Isso porque ele estava sendo cobrado por uma suposta compra de R$ 3 mil, que ele não realizou.
O consumidor entrou em contato com o serviço de atendimento ao cliente e contestou a cobrança.
A atendente da operadora do cartão afirmou que iria ser aberto um procedimento interno para apurar o ocorrido e que, durante esse período, ele não precisaria pagar essa dívida.
Depois de dois meses João foi informado que seu cartão havia sido "clonado" e a cobrança foi definitivamente cancelada.
Vale ressaltar que João não pagou os R$ 3 mil e que a instituição financeira não inscreveu o seu nome nos serviços de proteção de crédito (SPC/SERASA).
Ação de indenização por danos morais
Mesmo tendo recebido a notícia de que cobrança foi cancelada, João ingressou com ação de indenização por danos morais contra a operadora do cartão de crédito alegando queo simples fato de ter sido incluída indevidamente a compra em sua fatura já lhe gerou inúmeros transtornos e preocupações.
O juiz julgou improcedente o pedido argumentando que João não provou o dano moral sofrido e que o simples fato de a empresa ter incluído a dívida na fatura do cartão não é suficiente para caracterizar o abano extrapatrimonial.
O autor não desistiu e recorreu contra a sentença sustentando a tese de que o simples fato de a operadora do cartão de crédito incluir na fatura uma cobrança indevida contra o consumidor gera dano moral in re ipsa (dano moral com prejuízo presumido), não sendo necessária nenhuma outra comprovação.
A tese do autor encontra amparo na jurisprudência do STJ?
NÃO.
Não configura dano moral in re ipsa a simples remessa de fatura de cartão de crédito para a residência do consumidor com cobrança indevida.
Para configurar a existência do dano extrapatrimonial, é necessário que se demonstre que a operadora de cartão de crédito, além de ter incluído a cobrança na fatura, praticou outras condutas que configurem dano moral, como por exemplo:
- a) reiteração da cobrança indevida mesmo após o consumidor ter reclamado;
- b) inscrição do cliente em cadastro de inadimplentes;
- c) protesto da dívida;
- d) publicidade negativa do nome do suposto devedor; ou
- e) cobrança que exponha o consumidor, o submeta à ameaça, coação ou constrangimento.
STJ. 4ª Turma. REsp 1.550.509-RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 3/3/2016 (Info 579).
O simples recebimento de fatura de cartão de crédito na qual incluída cobrança indevida não constitui ofensa a direito da personalidade (honra, imagem, privacidade, integridade física); não causa, portanto, dano moral objetivo, in re ipsa.
A configuração do dano moral dependerá da consideração de peculiaridades do caso concreto, a serem alegadas e comprovadas nos autos.
Esse entendimento é mais compatível com a dinâmica atual dos meios de pagamento, por meio de cartões e internet, os quais facilitam a circulação de bens, mas, por outro lado, ensejam fraudes, as quais, quando ocorrem, devem ser coibidas, propiciando-se o ressarcimento do lesado na exata medida do prejuízo.
A banalização do dano moral, em caso de mera cobrança indevida, sem repercussão em direito da personalidade, aumentaria o custo da atividade econômica, o qual oneraria, em última análise, o próprio consumidor.
Por outro lado, a indenização por dano moral, se comprovadas consequências lesivas à personalidade decorrentes da cobrança indevida, como, por exemplo, inscrição em cadastro de inadimplentes, desídia do fornecedor na solução do problema ou insistência em cobrança de dívida inexistente, tem a benéfica consequência de estimular boas práticas do empresário.
Não confundir este entendimento com a Súmula 532 do STJ:
"constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor, configurando-se ato ilícito indenizável e sujeito à aplicação de multa administrativa".
Fonte: dizer o direito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário