terça-feira, 13 de dezembro de 2016

A cabeça de Renan pela democracia: será que vale a troca?


A cabea de Renan pela democracia ser que vale a troca
Nestes tempos de instabilidade institucional e ânimos políticos exaltados, a jovem democracia brasileira vem sendo repetidamente posta à prova. Até agora, ela tem resistido firme aos desafios que aparecem diante de si, mas, vez por outra, o chão treme com uma intensidade preocupante.
Em nome do combate à corrupção e aos corruptos, a sociedade em geral – mesmo as pessoas mais inteligentes e instruídas – têm demonstrado certa tolerância com abusos cometidos por autoridades que, não raro, julgam-se imbuídas do supremo espírito ético, como se pairando acima de todas demais as instâncias de poder, enquanto perdem de vista os limites de sua própria atuação, cuja existência é característica intrínseca de qualquer regime democrático.
O último fato que fez acender novamente o sinal amarelo para aqueles que defendem a democracia como valor inegociável consistiu em mais uma demonstração de hipertrofia do Judiciário: a decisão monocrática, proferida em caráter liminar, pelo ministro Marco Aurélio Mello, do STF, que ordenou o afastamento do Presidente do Congresso, Renan Calheiros, de suas funções, sob justificativa risível.
Muitas pessoas de bem aplaudiram a decisão, que, aparentemente, foi uma vitória daqueles que, cansados da corrupção que tanto assola o país, pedem ética na política. Entretanto, há nela também um lado perverso, que não pode ser ignorado: a Constituição foi violada, o preço a ser pago pela cabeça de Renan pode acabar saindo caro demais.
Por mais reviravoltas argumentativas que se possam inventar para defender a decisão de Marco Aurélio, a meu ver, até agora não houve um único argumento jurídico minimamente convincente em favor dela, tampouco algum que não pareça um monstruoso ataque à Carta Magna. Muito pelo contrário: além de a Constituição não prever esse tal afastamento em dispositivo algum, ela tem como princípio fundamental a independência e a harmonia entre os poderes, que são livres para elaborar seu regimento interno e escolher seus chefes. Atentar contra isso, em última análise, é atentar contra a própria ordem constitucional!
Esse tipo de ingerência indevida em outro poder soa ainda mais chocante quando se observa que emana justamente daquele órgão que tem como principal missão institucional a guarda da Constituição, que é o Supremo Tribunal Federal. O ativismo político – não judicial, como se costuma denominar – de alguns ministros e a sanha legiferante cada vez mais despudorada da corte como um todo vêm provocando profundo desconforto e insegurança institucionais.
É sempre preocupante, numa democracia, quando o Poder Legislativo se apequena, enquanto o Judiciário se fortalece além da conta. Afinal, a história mundial recente (brasileira, inclusive) mostra que um Legislativo livre é sempre a maior garantia de vitalidade de um sistema democrático – não por caso, quando uma tirania é implantada, seu primeiro alvo é sempre o parlamento, enquanto o Judiciário, em muitas ocasiões, ajuda a legitimar o liberticídio.
A história do próprio STF, em boa parte, não é algo digno de orgulho. Ao longo de seus 126 anos de existência, o tribunal registra vergonhosos antecedentes de subserviência bovina a regimes autoritários, como o do Estado Novo e a Ditadura Militar. Em termos históricos, o Congresso é uma instituição muito mais comprometida com a preservação das liberdades.
Juízes não têm voto, não têm representatividade popular, não têm obrigação de dialogar com a sociedade, de mostrar seus pontos de vista e dar satisfações sobre eles. Logo, não se pode admitir que usurpem de forma tão flagrante as funções políticas típicas do Legislativo, que, goste-se ou não, é o poder que possui mais identificação de valores com o tecido social.
A decisão liminar que afastou o Presidente do Congresso pode ser o ponto de inflexão nessa guinada política da Corte Suprema, na medida em que, inevitavelmente, provocará uma reação correspondente do Poder Legislativo, agravando a crise institucional. Foi a gota d’água que faltava para o copo transbordar.
Espera-se, por fim, que a democracia resista mais uma vez ao turbilhão, com seus próprios mecanismos de freios e contrapesos. Afinal, ela vale mais que mil Renans.
Vitor Araruna, Advogado

Advogado Especializado em Direito e Processo Constitucional
Advogado, pós-graduado em Direito Constitucional e com larga experiência nas áreas cível/consumidor, trabalhista, previdenciária e criminal.

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