sexta-feira, 19 de março de 2010

Crônica do dia - 19-03-2010

TESTEMUNHA DE "FOLGA"

A crônica a seguir é a junção de várias testemunhas que passaram pelas salas de conciliação da Justiça do Trabalho.
Qualquer semelhança com fatos reais não é coincidência.

- Nome?
- Quem? Eu?
- É, o senhor. Nome?
- José.
- José de quê? Senta direito.
- José da Silva.
- Idade?
- Trinta e quatro.
- Endereço? Não acende esse cigarro, não. Endereço?
- Morro da Porca, entrada quinhentos, curva trinta e seis, casa quatorze, fundos.
- É parente, amigo pessoal ou inimigo de alguma das partes envolvidas no processo, freqüenta ou freqüentou a casa de algum deles, tem algum envolvimento emocional com alguém aqui à mesa?
- Repete, que eu já esqueci tudo.
- Não se dirija a um Juiz desta forma.
- Tá, mas qual é a pergunta?
- Quem pergunta aqui sou eu.
- Tá, então pergunta.
- É parente, amigo pessoal ou inimigo de alguém aqui?
- Parente?
- É.
- Parente, peraí, amigo, inimigo...
- Parente, amigo ou inimigo. Senta direito.
- Ah, tem tanta gente aqui...
- Bom, seu José, o senhor está aqui para depor como testemunha, não poderá favorecer A nem B, não poderá mentir, omitir, aumentar, diminuir, torcer...
- Torcer, camarada?
- EXCELÊNCIA. É, torcer as palavras.
- Não sei, não senhor.
- É bom que não saiba mesmo. Porque mentir em Juízo é crime. O senhor poderá ser processado e preso, entendeu?
- Preso por quê? Não fiz nada.
- Se o senhor mentir aqui, poderá ser preso.
- Ah, tá.
- Conhece o Sr. Ricardo?
- Peraí, como é mesmo? Mentir, torcer...
- O senhor não poderá mentir nem omitir nada, entendeu bem?
- Tá.
- Conhece o Sr. Ricardo?
- A gente foi "cumpadre".
- Compadre de quê? Batizou o filho dele?
- Não senhor.
- Ele batizou o seu?
- Não sei, não senhor.
- Como não sabe? Senta direito.
- NÃO, POMBAS !
- NÃO O QUÊ !?
- Não, ele não batizou o meu filho.
- Ah, bom. Trabalhou lá nessa firma?
- Quem?
- O senhor, ora. Trabalhou lá nessa firma?
- Qualé firma?
- Está com a sua CTPS aí?
- Sua o quê?
- CTPS, sua carteira de trabalho.
- Ah, bom, só fala em código...
- Trouxe sua carteira de trabalho?
- Olha, a minha carteira... vou te contar a história como foi.
- Não quero saber de histórias. Trouxe ou não trouxe a carteira?
- Não.
- Mas, o senhor trabalhou lá nessa firma?
- Qualé firma?
- Essa firma desse processo aqui?
- Qualé processo?
- Este aqui. ISSO AQUI É UM PROCESSO! O SR. RICARDO "BOTOU" A FIRMA ONDE ELE TRABALHAVA NA JUSTIÇA...
- Caramba !
- ISTO AQUI É UM LUGAR DE RESPEITO, O SENHOR NÃO PODE SE SENTAR COMO SE ESTIVESSE NA PRAIA. RESPONDA: TRABALHOU OU NÃO TRABALHOU NESSA FIRMA?
- Eu, hem? Qualé firma?
- OLHA PARA AQUELE SENHOR ALI SENTADO! ELE NÃO FOI SEU PATRÃO?
- Ele ali?
- É. ELE ALI. ELE FOI SEU PATRÃO?
- É ruim, hem.
- NÃO SE DIRIJA A UM JUIZ DESSA FORMA. ELE FOI OU NÃO FOI SEU PATRÃO?
- Não lembro, não senhor.
- COMO NÃO SE LEMBRA?
- Não lembro, não lembrando.
- OLHA AQUI, SEU JOSÉ. O SENHOR ESTÁ DIANTE DE UM JUIZ, TERÁ QUE RESPONDER SOMENTE AQUILO QUE LHE FOR PERGUNTADO, SENTAR DIREITO E ME CHAMAR DE EXCELÊNCIA, ENTENDEU? AQUELE HOMEM FOI OU NÃO FOI SEU PATRÃO ALGUM DIA?
- Acho que foi.
- ACHA OU FOI?
- Acho que foi.
- ACHA QUE FOI, QUANDO?
- Quando o quê?
- QUANDO É QUE O SENHOR ACHA QUE AQUELE HOMEM FOI SEU PATRÃO?
- Deixa eu te contar a história como foi.
- JÁ LHE DISSE QUE NÃO QUERO SABER DE HISTÓRIAS! QUANDO É QUE O SENHOR ACHA QUE AQUELE HOMEM FOI SEU PATRÃO?
- Ah, uns tempos aí.
- QUE TEMPOS? QUANDO?
- Quando o quê?
- PRESTA ATENÇÃO! DE QUANDO ATÉ QUANDO O SENHOR TRABALHOU LÁ?
- Nem de quando, nem até quando. Agora lembrei. Só trabalhei lá um anos.
- UM ANO?
- É. Um anos.
- Fazia o quê?
- Nada, não senhor.
- COMO NADA?
- Ficava sentado, pronto.
- SE NÃO RESPONDER, VAI SAIR DAQUI PRESO! CHAMA O GUARDA!
- Eu não, não fiz nada...
- NÃO ESTOU FALANDO COM O SENHOR. O QUE É QUE O SENHOR FAZIA LÁ?
- ...
- RESPONDA!
- Tá falando comigo, agora? Decide.
- O QUE É QUE O SENHOR FAZIA LÁ? SE NÃO RESPONDER, EU PRENDO!
- Sei não, senhor. Eles me mandaram sentar lá na portaria, eu não briguei. Até um dia que tiraram o sofá... ah, esse dia foi legal...
- De que horas até que horas?
- Ah, como é que eu vou lembrar?
- JÁ LHE DISSE QUE QUEM FAZ AS PERGUNTAS AQUI SOU EU. O SENHOR FAZIA HORA EXTRA?
- Hora o quê?
- O SENHOR PASSAVA DO HORÁRIO?
- Qualé horário?
- O HORÁRIO DESSA FIRMA, ORA! DO QUE É QUE EU ESTOU FALANDO?
- O senhor estava falando daquele homem ali, disse que era meu patrão, eu não vou discutir.
- SENTA DIREITO E LIMITE-SE A RESPONDER SOMENTE AQUILO QUE LHE FOR PERGUNTADO. AFINAL, COMO É QUE ERA A QUESTÃO DO HORÁRIO LÁ?
- Lá nessa firma?
- É! NESSA FIRMA!
- Daquele patrão ali, que o senhor disse...
- É. DAQUELE PATRÃO ALI. COMO É QUE ERA O HORÁRIO LÁ?
- Olha, insolência, - esticou as pernas e acendeu um cigarro - Se eu te contar, tu nem acredita.

(autora: Sonia França, secretária de audiências da Justiça do Trabalho)


Nenhum comentário:

Postar um comentário