terça-feira, 30 de março de 2010

Crônica do dia - 30-03-2010

E QUANDO O CRIMINOSO É O JUIZ?


O venerável desembargador sobrevoava a selva amazônica rumo a São Paulo. A noite envolvia o avião. Apesar disto, pela vigia notou que lá embaixo, entre uma queimada e outra, haviam focos de escuridão.

Entretido pelo magnífico mosaico luminoso desenhado na terra pela destruição, deixou-se levar pelas reflexões estéticas concluindo que mesmo as maiores catástrofes são belas, porque o belo e o grotesco são duas coisas absolutamente idênticas. Foi aí que uma garotinha de 12 anos que viajava sozinha despertou-lhe a atenção.

Sua pele era alva como a luz do luar. Seus olhos eram de um azul tão profundo que deixaram-no embriagado. As duas tranças que pendiam de suas têmporas uniam-se graciosamente atrás da cabeça por sobre os cabelos lisos, que eram dourados como o fogo que ardia na mata. Era certamente de fino trato. Trajava um vestido branco de seda, justo da cintura para cima e rodado e cheio de pregas até o joelho. Como não usava sutiã, as marcas de sua nascente feminilidade comprimidos contra o tecido deixaram-no profundamente interessado. Uma ninfa.

Era certamente uma ninfa que caíra do céu para alegrar a vida de um velho e triste juiz.
Sentou-se ao seu lado, perguntou seu nome.
- Angélica ­ respondeu angelicamente o garota rasgando a embalagem de um chocolate.
- Mas que nome adorável. Faz-me lembrar de um poema muito bonito ­ e recitou um poema de Gregório de Matos Guerra enquanto ela o olhava com um misto de admiração e curiosidade.
- Vô, o senhor tem quantos anos?
- Muitos, minha filha ­ e colocou as mãos da garota entre as suas ­ Eu sou um homem muito importante, sabia. Julgo as pessoas.
- O senhor é julgador?
- Mais ou menos ­ e beijou carinhosamente a mão da garota, colocando-a no seu joelho, apanhando a carteira de identificação no bolso esquerdo do paletó.

Estavam assim quando a Comissária de Bordo passou e perguntou à garota se estava tudo bem. Ambos responderam com um sorriso.
- Não se esqueça de voltar para sua poltrona e apertar bem o cinto de segurança ­ puxando carinhosamente a orelha do desembargador. Não gostaríamos de ter um incidente com alguém tão importante. Não é, doutor?
- É claro, Mariana - respondeu o magistrado, que já a conhecia há muitos anos -, você pode me trazer outro uísque. Jack Daniels, por favor.

Duas horas e três uísques depois, o magistrado já havia desabotoado o paletó e pousado a mão da garota na sua virilha. Envolvida pelas carícias do velho guerreiro, ela não resistia. Principalmente porque para a cada novo lance daquele estranho jogo, ganhava um presente.

Os demais passageiros do vôo já estavam dormindo há muito tempo. Apesar disto e de estar muito excitado, o rejuvenescido desembargador a todo momento tomava o cuidado olhar pelo corredor. Quando resolveu que era hora de estreitar a proximidade entre ambos beijando os mamilos entumecidos da sedutora criança e debruçou-se sobre ela, Mariana parou diante deles e viu tudo.

Silenciosamente, ela voltou pelo corredor e alertou o piloto, que passou o comando da aeronave para o auxiliar e dirigiu-se até o local. Com toda urbanidade perguntou ao magistrado se ele gostaria de tomar um café na cabina de comando.
- Como não. Será um prazer ­ respondeu o magistrado levantando-se e fechando o zíper da calça.

No compartimento destinado às Comissárias de Bordo, o piloto pegou o magistrado pelo braço e lhe deu voz de prisão por atentado ao pudor. Pediu educadamente ao magistrado que não resistisse e conduziu-o a uma das poltronas da cabina onde o algemou.

- Em São Paulo, vai ver com quem está tratando - sorriu o desembargador sem alterar o tom de voz.
Depois de pousar o avião, o Piloto conduziu o desembargador até as autoridades policiais do aeroporto. Lá ele telefonou para um colega de um dos Tribunais de São Paulo, que foi encontrá-lo acompanhado de um advogado amigo de ambos.

Algumas horas depois o caso estava encerrado. O desembargador foi libertado e aceitou o pedido de desculpas da companhia aérea, renunciando ao direito de processá-la por danos morais em virtude do tratamento vexatório a que foi submetido no avião. O piloto e a comissária de bordo foram demitidos e a família da garota silenciada com dinheiro e ameaças.

Três dias depois, a vítima do incidente retornou para seu Estado de origem, onde continuou trabalhando como se nada tivesse acontecido.

(autor: Fábio de Oliveira Ribeiro)


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