segunda-feira, 29 de março de 2010

Crônica do dia - 29-03-2010

TOQUE DE MESTRE


Diz-se que cuidado e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Em pouco tempo o advogado descobriu que este é um excelente princípio que deveria orientar sua atividade profissional.

A maioria dos profissionais se esforça muito por realizar um bom trabalho e sente-se frustrada quando não consegue ter êxito. Nosso herói descobriu que melhor seria se esforçar para obter o êxito antes de se preocupar com o trabalho.

E como neste país tudo parece conspirar em favor dos ensinamentos de Maquiavel, logo ele se tornou um dos advogados mais ricos e influentes no Estado de São Paulo.

Como descrever seu feito memorável. Não poderia ser considerado desonesto. Não comprava decisões nos casos em que atuava. Na realidade não atuava nos processos com procuração nos autos, antes procurava soluções originais para quem o contratava, geralmente o procurador regularmente constituído pela parte interessada. Sempre recebia e pagava os interessados em dinheiro, não deixando pistas das transações. Não tinha um só processo, mas era especialista em todas as causas, especialmente as mais rentáveis. E o que é fundamental, nunca recebia um centavo de alguém sem antes acertar tudo. Seu trabalho era reduzir a incerteza do processo e se houvesse qualquer suspeita de que o magistrado não cumpriria sua parte no trato não fechava o negócio para preservar sua imagem.

Sua maior virtude foi ter descoberto um nicho do mercado ainda inexplorado. Raramente um Juiz tem coragem de pedir ou receber diretamente propina. Mesmo que se sintam tentados, procuram resguardar eqüidistância das partes. Não por honestidade, mas para continuar desempenhando da melhor forma o papel de distribuidores da justiça. E justiça seja feita a eles, ao menos tentam preservar a instituição que de fato ajudam a enterrar na lama. Por outro lado, poucos são os advogados que arriscam entrar no gabinete de um juiz e dizer-lhe abertamente que pretendem presenteá-lo caso tenham sucesso.

Sendo assim, ele percebeu que poderia servir de intermediário entre os interessados assumindo o risco por conta de uma pequena comissão variável. Na verdade sua taxa era flexível, para o interessado era de 10%, para o juiz de 30%. Mas sempre declarava o valor a ser recebido pelo magistrado depois de deduzir seus 20%.

Praticando honestamente seus princípios ficou rico. Até comprou uma casa antiga na Brigadeiro, onde estabeleceu seu modesto escritório. Lá só uma secretária e um telefone. Nada de arquivos ou de pastas, estas coisas que enchem a vida do advogado de prazos, desgostos, despesas e, quase sempre, de dívidas e problemas cardíacos.

Começou na primeira instância. Logo sua fama o precedia, de maneira que chegou ao Tribunal. O caso mais importante em que atuou foi em Brasília, onde à custa de algum esforço e muito dinheiro conseguiu livrar um famoso empresário do desgosto de ser condenado por tráfico de drogas. O advogado foi tão diplomático, que acabou se transformando numa espécie de ponte entre a legalidade e a ilegalidade na alta cúpula do judiciário paulista. Mais ou menos por esta época parou de se preocupar em ganhar dinheiro. Já o ganhava e tinha tempo para pensar no que deveria fazer da vida. Estava com cinqüenta e cinco anos e cumpria passar para a posteridade como um exemplo para os mais jovens.

Candidatou-se a Conselheiro da Ordem dos Advogados defendendo a plataforma da moralização da classe. Eleito, cumpriu seu mandato com tanto distinção que acabou indicado para ocupar uma cadeira num dos Tribunais paulistas. Como juiz nomeado pelo quinto constitucional, fez o que pôde para honrar a classe e ficou milionário. Já não intermediava, mas era sócio dos antigos clientes.

Atualmente está aposentado e apenas dá consultoria, àqueles que pretendem iniciar no ramo que explorou enquanto estava na ativa. Mas tem poucos alunos, afinal caldo de galinha e cuidado... Não tive a honra de ser aluno dele. Um amigo que enveredou por estes tortuosos caminhos da justiça segredou-me alguns detalhes da profissão dia destes. Fiquei tentado a solicitar uma audiência com seu mestre quando recebi a cobrança da anuidade há alguns anos. Até fui ao seu apartamento com o colega, mas logo na primeira pergunta me apanhou de calças curtas.

- Que pretende, filho?
- Aprender a ser... corrupto.
Tocou com a bengala o ombro do outro e disse-lhe:
- Já não lhe disse que só aceito como alunos aqueles que querem aprender a advogar.

(autor: Fábio de Oliveira Ribeiro)


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