quinta-feira, 13 de maio de 2010

Crônica do dia - 13-05-2010

Crônica: zezinho trabalho

Essa é a estória do Zezinho Trabalho. Um cara simples, humilde, alegre e que adora trabalhar. Claro, com o nome desses tinha que adorar trabalho. Não é em vão que colocaram esse apelido nele. Morava com sua mãe já idosa e com problemas de saúde. E Zezinho fazia de tudo pra ajudar sua mãe: a pessoa que ele mais admirava na face da Terra. Ela teve uma vida sofrida, corrida, vivida… Criou Zezinho com muita dificuldade. Moravam na periferia, num casebre bem humilde onde era dureza de se morar. É, Zezinho. Duro é viver. Mas, como todo ser humano, se adequou ao ambiente e, mais que isso: gostava do lugar. Quando tinha um tempinho, falava com o dono da padaria, jogava futebol com os amigos de bairro, conversava com os vizinhos e ia pra frente do salão de beleza admirar sua musa que trabalhava lá… Uma moçoila linda e trabalhadora. Gostava de roupas claras e compostas e sempre tinha um penteado da moda. Afinal de contas, entendia do assunto.

Bem, voltemos ao Zezinho Trabalho. E quanto trabalho, hein Zezinho! Mas ele num liga pra tanto trabalho. Como já disse, até gosta de ter muita coisa pra fazer. Pra ele é um hobby. E tenta contagiar seu ambiente de trabalho com sua simpatia. E conta histórias, piadas, e conversa muito. E fala da mulher gostosa que passou, das palavras arrogantes que o chefe proclamou, do veneno mortal que a ambiciosa novata destilou, das blasfêmias que um incrédulo profanou… E conversa muito. E os amigos escutam suas palavras extasiados. De fato, é um contador de histórias nato. “Conta mais Zezinho! Conta aquela história do menino que num falava a letra C!”. E Zezinho contava. E todo mundo se acabava de rir. “Como é engraçado esse Zezinho!”.

Mas, acabava aquela hora do cafezinho. E Zezinho voltava pro trabalho. Pegava sua ferramenta e passava pra lá e pra cá… e limpava aqui, e limpava ali e adorava limpar e adorava trabalhar. E assim Zezinho fazia, todos os dias o dia todo. Durante anos foi um trabalhador exemplar. Nunca se atrasava, trabalhava sorrindo, falava com todo mundo, e era impecável no seu serviço.

Mas, duro é viver. E a mãe do Zezinho piorou. E ele precisou faltar alguns dias no trabalho para cuidar da mãe. E ficava desesperado sem saber o que fazer com o absurdo de caro, aqueles remédios que o doutor passou. E pedia ajuda para os amigos, e vendia suas coisas, e enfrentava filas quilométricas nos hospitais…

Aí Zezinho foi convidado a se apresentar ao trabalho. Chegando lá, foi informado que não pertencia mais ao seleto grupo de trabalhadores de lá. Não adianta, Zezinho. Não adianta chorar e se desesperar. Eles não têm coração mesmo. Não importa seus anos de assiduidade, de trabalho competente, de sua alegria contagiante. Não adianta Zezinho. Não adianta se sua mãe ficou doente e precisa de você perto dela. “Precisamos de alguém que cumpra os horários assiduamente, e você já não pode preencher todos os requisitos”. E a empresa que Zezinho trabalhava ficou sem as famosas histórias que ele contava. O cafezinho ficou frio.

No habitat natural do ser humano, vale a lei da sobrevivência. E a lei da sobrevivência é isso: “primeiro eu depois os outros”. Sempre foi assim e continuará sendo durante um bom tempo. Não importa o que você faça, nunca reconhecerão seu trabalho. Aliás, importa sim: faça alguma besteira. Sua cabeça será pedida sem cerimônias.

Zezinho aprendeu isso da pior forma. Agora era um homem sem sorriso, sem esperança, sem emprego… E, o pior de tudo, sem mãe. Dona Maria não teve como comprar os remédios caros com sua mísera aposentadoria e não resistiu. E quem vê aquele senhor de barbas longas e sujas, de trapos fedidos, de rosto desconfiado e triste, de olhos amargurados, de cuia na mão… Não desconfia que ele já foi o Zezinho Trabalho que andava, sorria e contagiava as pessoas. Agora, mora na rua. E aquela sombra do Zezinho sorridente deu lugar ao velho moribundo….

Duro é viver.

Nenhum comentário:

Postar um comentário