sexta-feira, 6 de maio de 2016

Faz 200 dias que não compro nada de novo. Sabe o que aprendi?



Há alguns meses, tive de suportar o pior momento de minha vida: meu pai morreu de câncer.
Nos dias de hoje, já não é normal ter um período muito longo de luto e chorar por aqueles que se foram; a vida segue e é preciso trabalhar. Além disso, há uma série de procedimentos burocráticos que vêm depois da morte: atestado de óbito, inventário...quando terminei, resolvi esvaziar o apartamento de meu velho. Sim, foi uma das tarefas mais difíceis que já enfrentei.
É preciso classificar cada peça, decidir o que doar e o que não...e a presença de meu pai estava ali; cada objeto me trazia uma recordação. E havia muitos objetos.
Precisei de duas semanas para me desfazer de todos os pertences de uma pessoa que vivia sozinha. Uns, decidi vender; outros, doei e outros mais foram parar no lixo. Caixas cheias de prato, panelas, artigos de escritório e outras quinquilharias.
Para ‘conquistar’ tudo aquilo, me dei conta de que meu pai teve de se desdobrar trabalhando, empenhando tempo, energia e, ao fim, lá estava eu me desfazendo de suas coisas.
Estamos acabando com nosso Planeta apenas para nos encher de objetos muitas vezes desnecessários, que usamos com pouca frequência ou, às vezes sequer usamos.
Então, decidi que não queria aquela ‘vida normal’ e embarquei numa experiência de 200 dias sem comprar nada de novo.
Como muitas pessoas com emprego fixo, nunca fora muito disciplinada quando o assunto eram compras. Se pudesse ou não pudesse comprar algo, ao final, acabava me perguntando: «Por que não?» e comprava. Resistiria, então a tanto tempo sem pôr os pés no shopping?
Sim! Com exceção dos alimentos, remédios e artigos básicos de higiene. Com o restante, se precisasse de verdade, daria um jeito: consertaria, emprestaria ou simplesmente ficaria sem. Eis o que aprendi:
Já há coisas demais no mundo.
Passeando por lojas de artigos de segunda mão, navegando por sites de classificados e grupos do Facebook dedicados a compra e venda, me surpreendi com a enorme quantidade de coisas que nós, humanos, temos produzido. E isso sempre passa despercebido. Montanhas de roupas, toneladas de móveis, pratos, panelas, um oceano de tranqueiras. Todas essas coisas são descartadas para que seja produzida uma montanha de outras coisas exatamente iguais. Precisamos disso de verdade?


As pessoas compram compulsivamente.

Enquanto buscava satisfazer minhas necessidades com artigos de segunda mão, me impressionou também a quantidade de coisas novas que havia ali pra vender embora fossem, como disse, de segunda mão. Coisas que foram compradas, mas não usadas. E ali estão, nos classificados, com suas embalagens e preços originais, mas com o carimbo ‘segunda mão’. No fundo, isso tem a ver com o fato de que comprar não representa, em si, a satisfação de uma necessidade, do objeto, mas simplesmente com o fato de querê-lo.


Há um estigma contra as coisas usadas.

Conforme registrei em meu blog, tive vários comentários a respeito do aspecto higiênico de me experimento. Muitos sentiam que comprar roupas, móveis ou outras coisas de segunda mão era anti-higiênico. Que mentalidade estranha! Afinal, essas mesmas pessoas não ficariam felizes em doar objetos de segunda mão para a caridade?


Não precisamos dos grandes supermercados. As grandes corporações precisam.


Durante os 200 dias, me dei conta de que não preciso ir a um grande supermercado para comprar aquilo de que preciso. Há muitos mercadinhos na minha região. Os brechós e lojas de segunda mão, aliás, foram suficientes para satisfazer a maioria de minhas necessidades. E, nesses locais, você terá uma relação diferente, mais próxima, das pessoas e de sua comunidade. E se surpreenderá realizando trocas.


Quando nada é novo, nada é caro.

Sem sombra de dúvida, minha conta bancária só descansou esses 200 dias. Produtos de segunda mão são muito mais econômicos, mas também têm qualidade.

Você se sente melhor pagando uma pessoa do que uma empresa.

Claro, mesmo um pequeno comerciante é uma empresa. Mas a relação direta com o dono gera um outro tipo de negócio, mais baseado na confiança e no respeito. Me senti bem sabendo que meu dinheiro iria para as mãos de gente como eu em vez de uma corporação sem rosto.


Não necessito da maioria dos objetos.

A verdade é que mesmo os produtos de segunda mão a que me referi muitas vezes simplesmente não nos são necessários. Quando deixei de comprar uma série de produtos — às custas de um grande esforço, admito -, me surpreendi descobrindo que sem eles nada mudou em minha vida. Nem minha saúde, nem minha felicidade, nada. Tudo é lindo e sedutor, mas quase nada é muito necessário.
Esses 200 dias foram decisivos para que eu adotasse como filosofia a vida sustentável e o minimalismo.
Quando alguém morre, queremos voltar a viver a normal. Nesse sentido, a morte de meu pai foi um aprendizado.
Agora, espero que essas palavras o toquem, mesmo que um pouquinho. Quem sabe você tenha a oportunidade de entrar num brechó despido de preconceito talvez pense em embarcar numa experiência com a minha. Pense um pouco antes de comprar..
Fonte: collective-evolution.com
Tradução e adaptação: Incrível.club
Foto: Pinteres

Um comentário:

  1. Muito útil o texto. O sistema capitalista trabalha com tripé: produção, circulação/distribuição e consumo. E nesta lógica, tudo é mercadoria para ser "consumido". E nada escapa a lógica consumista e até mesmo o turismo onde se vende a "paisagem" que nos parece algo salutar desprovido de interesses econômicos explícitos, a não ser os comércios necessários, além das lembranças e artesanatos locais que nos causa interesses, e representa para nós como se pudéssemos levar um pedaço daquele lugar ou paisagem. E para concluir, somos bombardeados diariamente com nada menos duzentos comerciais diários incluindo aí, anúncios em rádios, tv, panfletos, outdoor, redes sociais, etc. Portanto, somos "potenciais consumidores" onde a "indústria do marketing" se encarrega de "criar" necessidades para alimentar o sistema do consumo a qualquer custo.

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