sábado, 28 de maio de 2016

Você é OBRIGADO a produzir prova contra si mesmo!



Voc OBRIGADO a produzir prova contra si mesmo
Você leu corretamente! Em 05/05/2016, foi publicada no DOU a Lei 13.281/2016, que altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Dentre outras disposições, no mínimo, temerárias, o novo Diploma Legislativo acrescenta o art. 165-A ao CTB, cuja redação é a seguinte:
Art. 165-A. Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277: Infração – gravíssima; Penalidade – multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270. Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.
O dispositivo transcrito acima é tão afrontoso ao ordenamento jurídico que fica até difícil iniciar sua análise: farei, perfunctoriamente, apenas para demonstrar, em pontos rápidos, a extensão do absurdo. Em primeiro lugar, evidente é a contrariedade ao princípio da não incriminação, aquele que tem até um provérbio latino que o designa desde os tempos do direito romano (nemo tenetur se detegere), segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo e, no Brasil, é alçado à categoria de direito fundamental (art. ,LXIIICF) e de baliza do ordenamento jurídico pátrio (será que o legislador sabe o que é isso? Talvez precise assistir a uns vídeos do YouTube). Bem, se o raciocínio é o de que agora virou festa, uma vez permitida pelo próprio STF (e uma pequena lágrima novamente escorre...) o vilipêndio à presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF vs. HC 126.292/SP), então parece que estamos todos pagando pelo evento, mas fomos barrados na entrada: só que, desta vez, o latrocínio cometido contra a Constituição decorreu da combinação entre os atos dos Poderes Legislativo e Executivo. Então, ainda há esperança... (será?). Prosseguindo, note-se que há outra afronta constitucional: à proporcionalidade. É que, agora, a sanção administrativa àquele se nega ao bafômetro ou qualquer exame de alcoolemia, fica idêntica àquela que se impõe ao agente que efetivamente dirige embriagado, conforme se depreende da leitura do art. 165 do CTB:
Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração – gravíssima; Penalidade – multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – do Código de Trânsito Brasileiro. Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses.
Observe que o motorista se encontra em uma encruzilhada: ou se nega (tendo seu veículo e seu documento apreendidos, seu direito de dirigir suspenso, além da multa, conforme o art. 165-A do CTB) ou se submete (podendo responder pelo crime do art. 306 do CTB se, por exemplo, acabou de fazer um bochecho com um enxaguante bucal com álcool). Então, apenas para exemplificar — mas, vou exemplificar na Suécia, porque tenho certeza de que algo assim jamais aconteceria no Brasil —, imagine a seguinte situação: Ribamar (nome sueco nativo), antes mesmo de entrar em seu próprio veículo, é parado pelo agente de trânsito, sendo-lhe exigida a realização do teste do bafômetro (lembrando que os agentes suecos podem ter interesses pecuniários ao agir desta maneira). Ribamar, como bom cidadão sueco, informa ao agente de trânsito que somente estava a caminho do seu automóvel para buscar um objeto que lá deixara e que não se submeterá ao exame simplesmente porque não estava dirigindo, além de ter consumido um sorvete, há poucos minutos, adornado com cerejas em calda (e o licor da guloseima continha álcool). Agora, o agente de trânsito sueco pronuncia o dilema: “Ou você faz o bafômetro ou terei de apreender o veículo, o documento de habilitação, suspender seu direito de dirigir e aplicar-lhe uma multa”. E Ribamar, então, deve decidir se prefere combater a presunção de legalidade do ato praticado pelo agente na seara criminal ou no âmbito administrativo: em qualquer das hipóteses, incumbirá a Ribamar o ônus de demonstrar/provar que sequer estava dirigindo. E atire a primeira pedra o sueco que nunca se sentiu constrangido quando, parado pela blitz de trânsito, teve de se submeter ao teste do bafômetro diante de sua família (que assistia ao espetáculo de dentro do carro), mesmo sabendo que não ingerira qualquer substância: vale sublinhar que, diferentemente da sentença judicial, o agente de trânsito pode parar qualquer sueco aleatoriamente, sem que haja qualquer suspeita do cometimento de crime ou infração (e não precisa explicitar as razões de ter parado o condutor sueco). Ufa! Ainda bem que o Brasil não é a Suécia!
Voltando ao direito brasileiro, vale lembrar que a jurisprudência pátria já vem decidindo que, para a configuração do crime do art. 306 do CTB, não é indispensável a realização do teste do bafômetro, podendo a prova testemunhal servir ao propósito: então por que raios há uma sanção específica à simples negativa de submissão ao exame? Será que vamos aplicar uma sanção também aos pais que se negarem ao teste de DNA, além da presunção de paternidade? Então invertemos todo o sistema e a inocência agora é que precisa ser provada? Basta a acusação, não havendo prova cabal em contrário, para a condenação? E ainda precisamos contribuir para nossa própria condenação, senão ela será dupla? Nem é preciso mencionar a afronta à LINDB (Dec.-Lei 4.657/42), à Lei do Processo Administrativo (Lei 9.784/99), à CADH (Convenção Americana de Direitos Humanos), ao PIDCP (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos) e aos princípios gerais de direito. É que a ofensa constitucional é tão perniciosa que talvez seja melhor mudarmos o texto para:
Qualquer pessoa acusada de qualquer coisa, no âmbito judicial ou administrativo, tem o dever de produzir prova contra si mesma, sob pena de, não o fazendo, ser sancionada, nos termos da lei, à mesma pena que seria cabível no caso do efetivo cometimento dos atos que lhe são imputados.

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